Jejum intermitente é um padrão alimentar no qual o indivíduo se submete a períodos de privação de alimentos, com reduzida ou nenhuma ingestão energética, intercalados por períodos de consumo normal de alimentos e bebidas. O assunto foi abordado na palestra inaugural do XVIII Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), em São Paulo, por uma das principais referências no tema, o Dr. Eric Ravussin, Ph.D., pesquisador e professor da Louisiana State University.
O Dr. Eric apresentou resultados promissores dos efeitos de um tipo específico de jejum intermitente; a alimentação restrita ao início do dia (eTRF, do inglês, early time-restricted feeding), que concentra a quantidade de calorias ingeridas ao longo do dia em um período mais curto, prolongando a duração do jejum diário. "Não é bom comer tarde, o ideal é terminar de ingerir as calorias às 18 horas, mas sei que para os brasileiros isso é bem difícil", disse o professor ao Medscape logo após a palestra "Efeitos metabólicos do jejum" dedicada à memória do Dr. Alfredo Halpern.
Restrição calórica
O Dr. Eric faz pesquisa translacional em obesidade e diabetes, tem mais de 500 artigos publicados, e é editor do periódico Obesity. Ele estuda o impacto da restrição calórica em biomarcadores humanos de envelhecimento, longevidade e saúde metabólica. Ele atribui a origem da sua pesquisa aos trabalhos pioneiros de Mc. Kay, de 1935. [1]
A restrição calórica foi bastante estudada em modelos animais e em muitos desses estudos, ela demostrou aumentar a longevidade e diminuir o ritmo do envelhecimento.
"O que temos aprendido através dos ratos e camundongos?" perguntou o Dr. Eric à plateia. "Que quanto maior e mais precoce for a restrição calórica, melhor."
Em humanos, existem estudos observacionais clássicos, como o dos habitantes de Okinawa, [2] mostrando que uma população que consumia menos alimentos (83%) do que a população geral japonesa registrava taxas de mortalidade por doença cardiovascular, acidente vascular cerebral (AVC) e câncer inferiores às desta população.
Estes estudos se baseiam nas teorias de que o envelhecimento pode ser explicado a partir do ritmo metabólico e do dano oxidativo. Eles trouxeram evidências concretas de que uma dieta com restrição calórica importante seria antienvelhecimento, por reduzir os marcadores de estresse oxidativo, causando menos danos celulares. Mas, os benefícios de sacrificar 30% das calorias diárias não são tão claros para a população. O Dr. Eric deu exemplos de que começar uma restrição calórica importante na juventude poderia permitir ganhar quatro ou cinco anos de vida, mas abandonar a "boa vida" na terceira idade só serviria para aumentar a longevidade em apenas alguns meses.
O interesse do pesquisador se concentrou em entender os efeitos da restrição calórica no que ele chama de longevidade secundária, ou seja, que depende de influências externas, como o estilo de vida, e que definiria a extensão da vida média da população.
Estas pesquisas, ensaios controlados randomizados para testar os efeitos metabólicos da restrição calórica em pessoas obesas ou não, trouxeram evidências de que a restrição calórica em humanos aumenta a eficiência energética e diminui os danos oxidativos. [3,4,5]
Jantar na hora do almoço
Partindo da premissa que o jejum intermitente melhora a saúde cardiometabólica, a equipe do Dr. Eric investigou também se os efeitos se deviam ou não aos benefícios conhecidos da perda ponderal. Em um estudo piloto publicado em 2018, os pesquisadores analisaram os efeitos metabólicos da restrição alimentar ao longo do tempo, independentemente do consumo alimentar.
Oito homens pré-diabéticos fizeram as três refeições do dia concentradas em seis horas (desjejum entre 6:30 e 8 horas e "jantar" às 13 h). E, depois de cinco semanas, eles voltaram a comer normalmente (ao longo de 12 horas). [6]
Na pesquisa de prova de conceito, a dieta eTRF melhorou a sensibilidade à insulina, a responsividade das células B, a pressão arterial e reduziu o estresse oxidativo. A equipe do Dr. Eric trouxe evidências preliminares de que a dieta eTRF melhoraria alguns aspectos da saúde cardiometabólica e que os efeitos não seriam relacionados apenas com a perda ponderal.
Este "é o primeiro estudo em seres humanos mostrando que consumir todas as calorias diárias em um período de seis horas fornece vantagens metabólicas em comparação com a ingestão da exata mesma quantidade de calorias ao longo de 12 horas ou mais, mesmo sem perda ponderal", disse o Dr. Eric. Segundo o autor, o jejum intermitente tem benefícios intrínsecos, independentemente do alimento, e concentrar a alimentação no início do dia pode ser uma forma particularmente benéfica de praticar o jejum intermitente.
"Não temos provas de que vai funcionar, não temos ensaios clínicos com milhares de pessoas, e sei que não vou impulsionar mudanças baseado nestas pesquisas", respondeu ao Medscape. "Publicamos dois estudos, e agora a University of Alabama está fazendo uma pesquisa financiada pelos National Institutes of Health (NIH). Precisamos esperar quatro ou cinco anos para ver os resultados. Mas nossos dados preliminares são promissores, testá-los cientificamente levará tempo."
A Dra. Bibiana Prada de Camargo, endocrinologista da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Botucatu, que ministrou no dia seguinte a palestra Jejum Intermitente, dentro do simpósio "Evidências em dietas populares", disse ao Medscape que, "os estudos ainda são preliminares para indicar o jejum intermitente aos pacientes, mas existem vários modelos e, entre eles, a restrição do período de alimentação de 8 h às 14 h é muito interessante, porque leva à perda ponderal e melhora os marcadores cardiometabólicos, colesterol, triglicerídeo, aumenta a sensibilidade insulínica e diminui a glicemia de jejum".
Prática disseminada
O jejum intermitente, em suas diferentes formas, vem sendo disseminado na prática dos nutricionistas. Devido à grande repercussão, recentemente a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) emitiu um parecer técnico alertando que as alegações para a indicação do jejum intermitente ainda são insuficientes. [7]
A Dra. Alicia J. Kowaltowski, que pesquisa o jejum intermitente no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), não participou do congresso da ABESO, mas, solicitada a comentar pelo Medscape, disse não existir estudos de longo prazo sobre a dieta intermitente em humanos.
Em parte, a preocupação da Dra. Alicia é baseada em resultados observados em sua própria pesquisa em modelos animais, que mostraram que o jejum intermitente melhora a secreção de insulina em curto prazo, [8] "mas, em longo prazo, os animais ficam mais magros e têm mais diabetes. E, outros grupos chegaram a conclusões semelhantes, as células beta entravam em falência, ou seja, estudos em animais sugeriram que em longo prazo o jejum intermitente pode ter efeitos negativos.
A ciência do jejum intermitente está muito menos avançada do que a moderação calórica, muito bem comprovada. "Não me parece interessante inventar uma dieta com restrição específica de tempo, quando não sabemos as consequências disso em longo prazo, e sabemos que a moderação ao longo do dia funciona bem."
Pular o café da manhã
O Dr. Eric é um dos muitos que não esperou a chancela da Academia para submeter o próprio corpo ao regime alimentar. O professor relatou que em 2005 fez jejum em dias alternados: "Fiz junto com um grupo de colegas, a cada 24 horas nós não ingeríamos nem uma caloria e, no dia seguinte, a gente comia tudo que queria".
Ele contou que abandonou a prática por pressão da mulher na época. "Era muito difícil passar 24 horas sem comer." Depois ele começou a fazer a dieta alternada modificada, comendo tudo o que queria em um dia e no dia seguinte cortando as calorias em 30%, 50%, 60%. "Foi mais fácil, até permite uma vida social razoável." Agora, o pesquisador disse publicamente que não toma café da manhã, uma prática que ele acredita estar mal estudada.
"Nesta nova abordagem, chamada de jejum intermitente, é possível ter períodos maiores de jejum concentrando as calorias no começo do dia ou pulando uma refeição, pulando o café da manhã. Ao avaliar os ensaios clínicos sobre pular o café da manhã, não há efeitos deletérios e a diminuição do peso corporal também não está afetada", garantiu.
O Dr. Eric alertou a audiência sobre os estudos que indicam que pular o café da manhã está relacionado com aumento do índice de massa corporal (IMC), déficit cognitivo em crianças, aumento do risco de intolerância à glicose e hipertensão, e falou: "Há uma correlação, sim, mas há estatísticas que correlacionam comer chocolate com ganhar o Prêmio Nobel. Não é por comer chocolate que alguém vai ganhar o prêmio Nobel".
Com a sua interpretação dos dados, o Dr. Eric enfrentou as conclusões dos autores dos muitos estudos que correlacionam o hábito de pular o café da manhã com o aumento do risco de diabetes ou resistência à insulina [9,10] e obesidade, [11] entre outros.
Em um editorial publicado no periódico Journal of the American College of Cardiology, no qual é analisado o papel do café da manhã como preditor de risco cardiovascular, [12] os Drs. Borja Ibáñez e Juan M. Fernández-Alvira escreveram: "Há evidências convincentes de que os padrões irregulares de alimentação estão associados com perfis cardiometabólicos deficientes, sendo que pular o café da manhã é um dos mais prevalentes. Deixar de tomar o café da manhã está associado a prevalência de fatores de risco cardiovasculares e metabólicos, como obesidade central, hipertensão, intolerância à glicose e aumento dos níveis de colesterol. Ainda mais, evitar o café da manhã tem sido associado a desfechos cardiovasculares adversos, incluindo doença coronariana e AVC.
Na mesma edição, aparece pela primeira vez a associação entre deixar de tomar o café da manhã e o risco de mortalidade. [13] O estudo prospectivo de coorte de 6.550 adultos de 40 a 75 anos de idade permitiu pesquisar a associação da frequência de consumo de café da manhã e a mortalidade cardiovascular e por todas as causas. E os que não consumiam o desjejum matinal tinham mortalidade significativamente maior por doença cardiovascular (razão de risco ou hazard ratio, HR, de 1,87; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,14 a 3,04) e também por todas as causas (HR = 1,19; IC 95%, de 0,99 a 1,42).
"Os resultados sustentam a ideia dos benefícios do café da manhã para a saúde cardiovascular", concluíram os autores.
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